15.7.10

(des)percebendo Liverpool

De longe tudo é muito grande. Liverpool de lá, do Brasil, parecia mágica. Eu jurei pra mim mesma que quando chegasse aqui eu beijaria o chão, que aqui seria minha "terra santa". De perto você passa a ver as coisas com naturalidade e os dias fluem sem que você perceba. Só depois de uma semana por aqui eu resolvi que veria os lugares que sempre foram sagrados para mim. O plano era chegar aqui e ir correndo até Strawberry Field. O plano era peregrinar pelos beatle-places. O plano mudou. Eu não entrei em Mendips, não conheci o quarto do John. O Cavern Club é só um lugar bacana pra ouvir música e tomar cerveja com os amigos. E só depois de duas semanas olhando pela janela da cozinha e vendo o mesmo prédio, me dizem que foi ali que nasceu John Winston Lennon. O mito. O gênio. Eu não me abalei. Hoje de manhã fui até a cozinha, dei outra olhada. É, foi lá.
Um dia alguém me disse que os lugares são as pessoas. Liverpool é um lugar fantástico porque as pessoas que estão aqui comigo a transformaram em um lugar fantástico. Quanto aos Beatles, não, eles não estão aqui. É só um prédio, uma casa, é só uma faixa de pedestres. E eles não estão lá. Eles estão dentro de mim. Here, There and Everywhere.
Até Já,
Paula Vidal

14.7.10

"cultural diversity": chinese people


Os chineses não são um problema para mim. Não mesmo. Confesso que eles não são exatamente adeptos da política da boa vizinhança, que o banheiro não deveria estar cheio de produtos cujos rótulos eu não sei ler e que não deveria ter um creme de barbear em cima da mesa da cozinha. Tirando os pormenores ele são até simpáticos. Digo "até" porque quando, ocasionalmente, um ou outro resolve soltar um "hello" é, visivelmente, com muito esforço. Outro dia um deles foi bonzinho e abriu a porta pra mim, que tinha esquecido a chave. A minha questão é não ser a única no meio deles. Semana passada fui obrigada pelo professor a fazer um trabalho com duas chinesas. Passei 15 minutos tentando pronunciar o nome delas. Sem sucesso. Depois disso, as duas começaram a falar em chinês e entre um comentário e uma risada contida pela mão na frente da boca eu deduzi que elas estavam falando de mim. Pode até ser que não e mesmo que sim, tanto faz. Eu nunca vou mesmo saber sobre o que elas estavam falando. Quase no final da aula o professor começou a falar de Beatles e eu me animei. Quando as duas me disseram que não conheciam Beatles antes de vir pra Liverpool foi a gota d'água. Aí sim eu comecei a achar esse chineses muito estranhos.
Apesar dos pesares o bicho anda pegando mesmo no prédio 15. O problema começou quando os chineses resolveram levar a louça mal e porcamente. E depois de ter encontrado a pia da cozinha cheia de arroz, um dos moradores, que já não era um grande simpatizante dos orientais, declarou guerra. De fato os chineses de lá são folgados: é um tal de bater porta, de usar as coisas dos outros, de tirar as coisas dos outros do lugar. De lá pra cá "só podia ser chinês" é o que mais tem se ouvido (em português) nos corredores do 15. O tutor foi avisado -"qual o procedimento pra deportar?", "eu vou socar esses chineses" - da forma mais correta possível. Depois veio a advertência. Parece que a situação não melhorou. Os brasileiros, vingativos e raivosos, resolveram fazer justiça com as próprias mãos. Passaram a noite de ontem tentando cegar o machado que os chineses usam para cortar vegetais e depois usaram o mesmo pra destruir os hashis (vulgo "pauzinhos") dos coitados. A última notícia que eu tive sobre a situação do 15 é que um chinês supostamente bebeu a cherry coke de um brasileiro. E como com cherry coke não se brinca, o brasileiro não deixou barato. Abriu a geladeira e enfiou os dedinhos no arroz deles, no melhor estilo "meus germes". Não sei onde isso vai parar, mas enquanto ninguém sair na mão eu estou achando divertido. Isso que é cultural diversity, minha gente. E bota diversity nisso.
Foto por Antonio Ledo.
Até já,
Paula Vidal

12.7.10

Do lado de cá...


Perguntar para uma beatlemaníaca se quer estudar em Liverpool é como perguntar se macaco quer banana. Eu bem sei que vim pra cá pensando em Beatles, Beatles e Beatles e que o curso acabou se tornando um grande pretexto para que eu estivesse, finalmente, no lugar onde eu sempre quis estar. Por mais estranho que isso possa parecer, ainda mais vindo de mim, tudo o que tem acontecido aqui vai muito além de Beatles. Não, eu não deixei de ouvir Beatles o tempo todo e eu ainda acredito que "tudo que você precisa é amor". Mas é que pela primeira vez eu consigo entender o que é crescer. Por aqui as coisas são tão diferentes e só agora, com 18 anos, eu consigo provar um pouco da liberdade que as minhas saídas pela noite paulistana nunca me deram de verdade. A liberdade que me faz enxergar tudo isso que vem acontecendo com olhos reais, sem deslumbre, e mesmo assim conseguir aproveitar tudo ao máximo.
O Tudor Close (home, sweet home) é praticamente uma torre de babel. Brasileiros, turcos, mexicanos e chineses. Gente de todas as cores, de todos os tamanhos, falando línguas que eu não entendo, comendo coisas que não me agradam. E todos nós passamos por isso. Sair de casa para conviver com pessoas que não se parecem em nada com você é uma experiência pela qual todos deviam passar um dia. E, de repente, Liverpool passou a significar bem mais do que a terra dos Beatles. Bom, pelo menos pra mim. Eu vou começar (depois de 15 dias de viagem, eu sei) a escrever coisas interessantes que acontecem comigo aqui. Pra começar, um panorama real de Liverpool em 10 pontos:
  • Liverpool não é uma cidade portuária suja, fedida e cinza. Bom, cinza talvez, mas é culpa do céu. Tirando isso Liverpool é limpa e toda arrumadinha.
  • Os ingleses aqui não tomam chá da cinco e nem comem "fish and chips" loucamente.
  • Vá uma noite para a Concert Square e você vai ver que de caipira a galera daqui não tem nada!
  • Os pubs e as baladas não fecham às 2h da manhã. Tem balada que vai até às 8h!
  • A vida na Inglaterra não é absurdamente cara. Quem fala isso nunca fez compras na Primark...
  • Quem nasce em Liverpool é Liverpudlian, mas é popularmente conhecido como "scouser".
  • O inglês de Liverpool é um dialeto. Realmente parece que eles tem uma batata quente na boca!
  • Liverpool é uma cidade altamente cultural. Muitos museus, muitos teatros, muita coisa legal.
  • Os ingleses não são pessoas fechadas, mau-humoradas e frias. Pelo menos aqui, eles são super solícitos, simpáticos e muitíssimo educados.
  • E por fim, Liverpool não ouve, canta e respira Beatles o tempo todo. Mas eu sim ;)
Até já,
Paula Vidal